Ensinamentos de Krishnamurti

 

 

Difícil definir Krishnamurti. Ensinava como ninguém, mas não aceitava ser chamado de mestre nem de guru. Sua visão de mundo, por não ser fragmentária nem constituída de memórias mortas, não pode ser considerada filosofia.

Talvez não haja ninguém que se lhe iguale em ajudar as pessoas a se conhecerem a si mesmas. Krishnamurti, no entanto, nunca será um autor popular, pois a verdade sobre nós mesmos é a coisa mais incômoda e antipática que existe.

Por que inventamos tantos meios de fuga ao autoconhecimento? Talvez porque no fundo, nos porões do inconsciente, farejemos algo terrível, insuportável sobre nós mesmos. Então fugimos para as bebidas, o sexo, as festas, os jogos, as igrejas, as leituras, as obras de caridade, as carreiras profissionais, as atividades políticas, etc.

Mas quem tiver coragem de cangaceiro para dar uma espiada em si mesmo, em seu verdadeiro eu, não pode deixar de ler os ensinamentos desse homem magnífico que foi Jiddu Krishnamurti.

Você fala sério quando afirma querer conhecer-se?

Então visite a webpage da Instituição Cultural Krishnamurti e prepare-se para um encontro com o novo.

-  http://www.krishnamurti.org.br/

Sobre a Dúvida

Se vocês convidarem a dúvida a entrar em seu coração e em sua mente, e se acompanharem essa dúvida por todas as avenidas e sombras da mente e do coração, e incansavelmente escutarem e examinarem todas as coisas, então o que permanecer será de seu próprio conhecimento, e, portanto, o absoluto, o eterno.

Existe contradição de idéias, de teorias, há confusão criada pelas constantes afirmações dos dirigentes, a respeito do que é e do que não é. ...Empilha-se teoria sobre teoria, incerteza sobre incerteza, afirmação sobre afirmação. O resultado de tudo isso é que o indivíduo fica integralmente incerto. Ou, então, o indivíduo fica tão cerceado, tão limitado por conceitos e formas de crenças particulares, que recusa ponderar sobre o que realmente é verdadeiro. Ou fica incerto, confuso, ou fica certo em sua crença, em sua forma particular de pensamento.

Para o homem que está verdadeiramente incerto, há esperança; para o homem, porém, que está incrustado na crença, naquilo que ele chama intuição, há muito pouca esperança, pois fechou a porta à incerteza, à dúvida, e acha repouso e consolo na segurança.

Esse estado vital de incerteza, isento do desejo de a ele escapar, é o início de toda a verdadeira busca da realidade.

(Ojai, E.U.A., 1936; Omen, Holanda, 1937/38)

 

 

Sobre a Educação

 

O que atualmente chamamos educação é um processo que consiste em acumular informações e conhecimentos tirados de livros, o que qualquer pessoa que saiba ler pode conseguir. Uma educação dessa espécie oferece-nos uma forma sutil de fuga de nós mesmos e (...) cria, inevitavelmente, sofrimentos cada vez maiores.

O homem que não estudou pode ser mais inteligente do que o erudito. Fizemos de exames e diplomas critério de inteligência, e desenvolvemos mentes muito sagazes, que fogem dos problemas humanos vitais.

Inteligência é a capacidade de perceber o essencial, o que é. Despertar essa capacidade –  em si próprio e nos outros –  eis em que consiste a educação. O objetivo da educação não é produzir meros letrados, técnicos e caçadores de empregos, mas homens e mulheres integrados, livres de todo temor; porque só entre tais entes humanos pode haver paz perene.

O homem ignorante não é o homem sem instrução, mas aquele que não conhece a si mesmo; e o homem intelectualmente culto é estúpido quando crê que os livros, o saber e a autoridade lhe podem dar a compreensão.

 (A educação e o significado da vida – Editora Cultrix, São Paulo, 1969)

 

<< Neues Textfeld >>

Recortes de conversas e palestras de Krishnamurti

Pergunta: O que é karma?

Krishnamurti: Karma é uma das palavras peculiares que empregamos; é uma dessas palavras em que nosso pensamento se aprisiona. O homem pobre tem que aceitar a vida nos termos de uma teoria. Ele precisa aceitar a miséria, a fome, a sordidez, porque é subnutrido e não tem energia para sublevar-se e promover uma revolução. Precisa aceitar o que a vida lhe dá, e então diz: "É meu karma ser assim"; e os políticos, os notáveis, o encorajam a aceitar a miséria. Você não quer que ele se revolte contra tudo isto, quer? Mas quando paga ao pobre tão pouco, enquanto você mesmo possui tanto, é bem provável que isso aconteça; então você usa a palavra karma para encorajar-lhe a aceitação passiva da miséria.

O homem educado, o homem que adquiriu, que herdou, que alcançou o topo das coisas, o homem que tem poder, posição e os meios de corrupção – também este diz: "É o meu karma. Comportei-me bem numa vida anterior e agora estou colhendo a recompensa de minha ação passada."

Mas será esse o significado de karma – aceitar as coisas tais quais são? Compreendem? Karma porventura significa aceitar as coisas sem discutir, sem uma centelha de revolta – o que representa a atitude que muitos de nós têm? Por aí vocês vêem como certas palavras se tornam uma rede em que acabamos presos, isto porque não estamos realmente vivos. A verdadeira significação da palavra karma não pode ser entendida como uma teoria; não pode ser entendida se você disser: "Isso é o que o Bhagavad-Gita diz."

Ora, a mente comparadora é a mente mais estúpida de todas, porque não pensa; ela apenas diz: "Li esse e aquele livro e o que você diz é tal e qual." Quando diz isso, você parou de pensar; quando compara, já não está investigando para descobrir a verdade, independentemente do que qualquer livro ou guru lhe tenha dito. Por isso, o importante é desfazer-se de todas as autoridades e investigar, descobrir, e não comparar. A comparação é a adoração da autoridade, é imitação, é irreflexão. Comparar é próprio da natureza da mente que não acordou para descobrir o que é a verdade. Você diz: "Isso mesmo, é igual ao que o Buda falou", e pensa que, por esse modo, resolveu seus problemas. Mas para realmente descobrir a verdade, seja do que for, você precisa ser extremamente ativo, vigoroso, autoconfiante; e não pode ter autoconfiança enquanto estiver pensando de forma comparativa. Façam o favor de ouvir isto. Se não houver autoconfiança, vocês perdem todo o poder de investigar e de descobrir o que é a verdade. A autoconfiança suscita uma certa liberdade em que vocês descobrem coisas; e essa liberdade lhes é negada quando comparam.

O Verdadeiro Objetivo da Vida, pg. 124

 

 

<< new text >>

Uma das peculiaridades do ser humano é o cultivo de valores. Desde crianças somos encorajados a estabelecer para nós mesmos certos valores que ficam profundamente enraizados.

Cada pessoa tem suas próprias intenções e propostas duradouras. Naturalmente os valores de um diferem dos valores de outrem. Eles são cultivados pelo desejo ou pelo intelecto. São ilusórios, confortantes, consoladores ou factuais.

Esses valores com certeza encorajam a divisão entre os homens. Valores são nobres ou ignóbeis, de acordo com os preconceitos ou intenções da pessoa.

Sem fazer uma lista dos vários tipos de valores, por que os seres humanos têm valores e quais são suas conseqüências? O significado da raiz da palavra valor é força. Mesma raiz da palavra valour, valentia.

Força não é valor. Ela se transforma em valor quando é o oposto de fraqueza. A força – não a força de caráter, que é resultado da pressão da sociedade – é a essência da clareza.

O pensar claro é sem preconceitos, sem tendências; é a observação sem distorção. A força, ou valour, não é algo a ser cultivado como você cultivaria uma planta ou uma nova espécie. Não é um resultado.

Um resultado tem uma causa e quando existe uma causa isso indica uma fraqueza; as conseqüências da fraqueza são resistência ou submissão. A clareza não tem causa. A clareza não é um efeito ou um resultado; é a pura observação do pensamento e de toda sua atividade. Essa clareza é força.

Se isso é claramente entendido, por que os seres humanos têm projetado valores? Será que é para servir como guia em suas vidas diárias? Será que é para dar-lhes um propósito, porque senão a vida ficaria incerta, vaga, sem direção? Mas a direção é estabelecida pelo intelecto ou pelo desejo, assim, a própria direção torna-se uma distorção.

Essas distorções variam de homem para homem, e o ser humano se agarra a elas no mar agitado da confusão. Podem-se observar as conseqüências de se terem valores: eles separam o homem do homem e colocam uma pessoa contra o outra. Em última instância, isso leva à infelicidade, à violência e, no fim, à guerra.

Os ideais são valores. Os ideais de qualquer tipo são uma série de valores – nacionais, religiosos, coletivos, pessoais – , e podem-se observar as conseqüências desses ideais enquanto vão acontecendo no mundo. Quando se vê a verdade disso, a mente está livre de todos os valores e para essa mente existe apenas clareza. Uma mente que deseja ou se agarra a uma experiência está no encalço da falácia do valor e, assim, se torna fechada, reservada e criadora de divisão.

Como educador, será que você pode explicar a um estudante a importância de não ter valores nenhuns, sejam quais forem, mas sim viver com clareza, o que não é um valor – você pode? Isso pode ser feito quando o próprio educador sentiu profundamente a verdade disso. Se o educador não a compreendeu, então isso se torna meramente uma explicação verbal, sem nenhum significado profundo.

Isso deve ser comunicado não apenas aos estudantes mais velhos, mas também aos mais jovens. Os estudantes mais velhos já estão gravemente condicionados pela pressão da sociedade e pelos pais com seus valores; ou eles mesmos projetaram seus próprios objetivos, os quais se tornaram sua prisão.

Com os mais jovens, o que é mais importante é ajudá-los a livrarem-se de pressões e problemas psicológicos. Agora, aos mais jovens estão sendo ensinados problemas intelectuais complicados; seus estudos estão se tornando mais e mais técnicos; são-lhes dadas cada vez mais informações abstratas; várias formas de conhecimento são impostas aos seus cérebros, desse modo condicionando-os desde a infância.

Ao passo que estamos interessados em ajudar os mais jovens a não terem problemas psicológicos, a serem livres do medo, da ansiedade, da crueldade, a terem carinho, generosidade e afeição. Isso é muito mais importante do que a imposição de conhecimento às suas mentes jovens.

Isso não significa que a criança não deva aprender a ler, a escrever e assim por diante, mas a ênfase é na liberdade psicológica e não na aquisição de conhecimentos, apesar de ela ser necessária. Essa liberdade não significa que a criança faça o que quiser, mas é para ajudá-la a entender a natureza de suas reações e de seus desejos.

Isso requer considerável insight por parte do educador. Pois, afinal, você quer que o estudante seja um ser humano completo, sem problemas psicológicos; senão ele fará mau uso de qualquer conhecimento que lhe seja dado.

Nossa educação é para viver no conhecido e assim ser um escravo do passado com todas as suas tradições, memórias e experiências. Nossa vida é do conhecido para o conhecido, assim nunca há o libertar-se do conhecido. Se uma pessoa vive constantemente no conhecido, não há nada novo, nada original, nada que não seja contaminado pelo pensamento.

O pensamento é o conhecido. Se nossa educação é o constante acumular do conhecido, então nossas mentes e corações tornam-se mecânicos, sem aquela imensa vitalidade do desconhecido. Aquilo que tem continuidade é conhecimento, é eternamente limitado. E aquilo que é limitado fica eternamente criando problemas. O fim da continuidade – que é o tempo –  é o florescer do atemporal.


A Arte de Aprender, pg. 119-121